- Taylor Swift lançou seu 12° disco, “The Life of a Showgirl”, que explora temas de vulnerabilidade e identificação.
- A artista, nascida em 1989, se destaca por seu apelo emocional e construção lírica, diferenciando-se de outras popstars.
- Suas letras contam histórias detalhadas, refletindo a busca por acolhimento em um contexto de crescente epidemia de transtornos mentais.
- A música apresenta uma fórmula de produção que antecipa mudanças de ritmo, adaptando-se à desatenção do público.
- A trajetória de Swift se desenrola em um cenário sociocultural distinto, conectando-se com uma nova geração em busca de identificação.
por Luiz Cesar Pimentel
Juro que meu interesse em Taylor Swift é genuíno, desprovido de mesquinhez e sem qualquer intenção de desqualificar seu sucesso. Dito isso, parti para o 12° disco da moça mais bem-sucedida (provavelmente) na história da música. Minha missão, 90% antropossociológica e 10% musical, era tentar compreender como ela consegue movimentar massas humanas inimagináveis e até índices econômicos por onde passa.
Minha primeira tentativa de compreendê-la ocorreu há dois anos, quando a vinda de Madonna à Praia de Copacabana gerou um frisson em todo o Brasil. Naquela comparação entre as duas, percebi que a rainha do pop precursora surgiu de outro molde e com outra matéria-prima.
Madonna foi a matriz feminina do fenômeno da cultura de massa, que já contava com representantes masculinos como Elvis Presley e os Beatles. No universo artístico, vejo dois grupos principais: os ‘clássicos’ e os ‘pontuais’. Os últimos tendem a ser mais comerciais, aproveitam um terreno fértil e têm ‘data de validade’. Já a estrela ‘clássica’ é aquela que perdura e se torna referência, por sua mistura de pioneirismo, qualidade e originalidade, inspirando as gerações seguintes. Nos anos 1980, ela e Michael Jackson atingiram esse patamar.
Taylor nasceu justamente no auge do sucesso de ambos, em 1989, e hoje vive um fenômeno semelhante, mas com características bastante diferentes. Seus números de consumo e alcance, aliás, superam os de Madonna. Contudo, revisitando o espírito de quatro décadas atrás, a construção da carreira da precursora foi muito mais orgânica e lenta, o que gerou um envolvimento profundo da base de fãs, que reproduzia sua devoção através dos meios de comunicação de massa. Naquela época, Madonna e Michael Jackson eram figuras conhecidas por todas as classes, credos e gerações, da avó à neta. Hoje, a atual diva sobressai mais em faixas etárias e classes sociais específicas.
Neste ponto, o arco se inclina para o ponto de vista dos fãs.
Quem viveu a música nos anos 1980 e quem a vive atualmente, saca que a juventude, mola propulsora de tais fenômenos, é completamente diferente. Nos 80 (e 90), a cultura pop era bem mais binária. Dava para dividir as tropas entre aqueles que curtiam sons mais transgressores, como hard rock, metal e punk, e aqueles que buscavam um certo (detesto o termo, mas vá lá) acolhimento nas bandas, cultuando artistas que “falavam para eles e os entendiam”, como Renato Russo, seu (do RR) benchmark Morrissey e afins.
As turmas dividiam-se entre aqueles cujo lema era ‘O mundo está errado e isso me dá vontade de gritar e chutar a porta’ e os que preferiam ‘O mundo está errado e quero alguém que me entenda’. Na base de sua formação, ambos passavam por uma espécie de ‘linha de montagem na lixa’, desenvolvendo uma casca mais grossa para as adversidades.
Sei que soará como o clássico ‘no meu tempo era diferente’, mas convenhamos: a adolescência atual (que parece estender-se dos 12 aos quase 40 anos) foi criada com muito mais ‘leite com pera’ e na maciez de uma escova de limpeza de arqueologia. A casca é bem mais fina, assim como a tolerância a negativas e a resiliência. Sinto muito, mas tendo três filhos adolescentes, falo com propriedade.
É neste contexto que, acredito, surge o fenômeno Taylor Swift.
Ela possui um ‘quê’ particular em sua carreira musical que a diferencia de outras popstars. Começou no country e flerta com gêneros em alta como indie-folk, synth-pop e até um leve (mas bem leve) alternativo. No entanto, nada disso se manifesta de forma escancarada em sua obra. Nas 12 músicas e 41 minutos de “The Life of a Showgirl”, sonoramente, nada é inovador. Não que tivesse essa obrigação. Mas ela joga em um terreno bem seguro nos campos melódico e harmônico.
A inovação — e não sei se é uma ‘boa nova’ — reside em como ela antecipa a fórmula do drop (aquele truque de produção em que, em determinado ponto da canção, ocorre uma mudança súbita de ritmo e a música ‘explode’, precedida por um crescendo, sabe?). Geralmente, isso ocorria em cerca de um minuto; Taylor reduziu para a faixa dos 40 e poucos segundos. Isso pode ser um sinal de que ela percebeu a desatenção crescente do público, precisando antecipar os ganchos da música.
Mas não é isso que me faz acreditar ser a ‘bala de prata’ da conquista de Taylor Swift. Tampouco é o sex appeal, pois, convenhamos, este permanece na mesma frequência vibracional de um hamster gripado. Mesmo que ela pose fazendo caras e bocas, usando lingeries e biquínis, não convence ninguém.
O que ela realmente tem de cativante é a construção lírica. Ela conta histórias como não vejo mais ninguém no pop capaz. E conhece o público e o mundo, que vive uma epidemia de transtornos mentais e carente como nunca de (não acredito que usarei o termo duas vezes no mesmo texto) acolhimento.
Suas letras são ricas em detalhes que nos transportam para as histórias que conta, uma característica comum aos grandes cronistas. Além disso, ela expõe sua vulnerabilidade, seus romances mal-sucedidos, as sacanagens que lhe fizeram e monta o pacote com adicionais de pistas para a sequência que virá.
Sua música, portanto, é mais para o peito e o cérebro do que para os ouvidos.
Não que lhe falte qualidade. De pronto, é explícita a qualidade de canções como “Eldest Daughter” e “Ruin the Friendship”. Mas vai chegando ao final do disco e você pensa que uma música como “Honey” só está ali para ocupar espaço.
Ela é generosa ao dividir a música que batiza o álbum com uma estrela em ascensão (ou já ascendida), Sabrina Carpenter. Esta, apesar da crítica de ser uma ‘genérica de tudo o que faz sucesso no pop’, chama mais a atenção dos meus ouvidos – pelo menos da forma como eles foram educados.
Em última análise, a trajetória de Taylor Swift, embora grandiosa como a de Madonna, se desenrola em um terreno sociocultural distinto. Ela não é a matriz da cultura de massa dos anos 80, forjada na aspereza e na descoberta em um mundo mais binário. Em vez disso, Taylor se consolida como a voz e o acolhimento (3ª vez) para uma nova geração, cuja busca por identificação e vulnerabilidade exposta é a chave para a conexão massiva. Sua música é menos sobre a explosão sonora ou a inovação harmônica, e mais sobre a implosão de sentimentos compartilhados, as histórias contadas ao pé do ouvido de um público que a vê não como uma super-estrela inatingível, mas como uma cronista de suas próprias dores e alegrias, validando suas emoções em cada estrofe.