- A fé evangélica no Brasil está se transformando, refletindo novas expressões culturais e sociais.
- O estudo “Gospel Power”, da Estúdio Eixo em parceria com a Zygon, analisou 228 mil menções nas redes sociais e entrevistou pastores e influenciadores.
- Dados indicam que 31,6% das crianças de 10 a 14 anos e 28,9% dos adolescentes de 15 a 19 anos se identificam como evangélicos.
- A pesquisa revela que 85% dos evangélicos consomem conteúdo religioso no YouTube e 78% no WhatsApp, com influenciadores como Deive Leonardo e Isadora Pompeo se destacando.
- Mulheres evangélicas representam 55,4% da comunidade, mas enfrentam barreiras institucionais, com apenas 8% em cargos de liderança pastoral.
Por Juliana Dariva,
A fé evangélica no Brasil está mudando de rosto, som e linguagem. De templos lotados a festivais de trap gospel, de cultos imersivos com luzes de LED a influenciadores com milhões de seguidores, um novo movimento vem transformando a religião em expressão cultural e identidade social.
É o que mostra o estudo “Gospel Power”, lançado pela Estúdio Eixo, em parceria com a Zygon. A pesquisa mergulhou em 228 mil menções nas redes sociais e conversou com pastores, comunicadores e influenciadores para entender como jovens e mulheres negras estão redefinindo o modo de viver, consumir e comunicar a fé no país.
Os dados mostram o tamanho dessa virada: 31,6% das crianças entre 10 e 14 anos e 28,9% dos adolescentes entre 15 e 19 se declaram evangélicos. É uma geração nascida na era digital, que leva o vocabulário da internet e das redes para dentro da igreja.
Hoje, é possível encontrar baladas gospel, blocos de carnaval cristãos e festivais de trap gospel, eventos que misturam música, espiritualidade e estética urbana. Igrejas com ambientes imersivos, luzes cênicas e drinks sem álcool refletem esse novo jeito de experimentar o sagrado: comunidade, conexão e pertencimento.
Mais do que pregar, essa juventude quer viver a fé de forma autêntica. A religião vira ponto de encontro, estilo de vida e até uma forma de afirmação social.
O púlpito virou tela
O estudo mostra que 85% dos evangélicos consomem conteúdo religioso no YouTube e 78% no WhatsApp. O TikTok é o novo altar das mensagens curtas, dos louvores remixados e das pregações criativas.
Figuras como Deive Leonardo (16,6 milhões de seguidores), Isadora Pompeo (8,1 milhões) e Bispo Bruno Leonardo (58 milhões) são hoje referências culturais, com um alcance maior que o de muitos artistas seculares.
Esses criadores combinam fé, estilo e autoexpressão e tornam o evangelismo um fenômeno digital de massa. O resultado é uma fé com estética pop, feita de vídeos curtos, frases de efeito e experiências compartilháveis.
O “cool” do sagrado
A transformação também está nas roupas e nos hábitos de consumo. A chamada “estética worship” inspirada em bandas e ministérios de adoração mistura streetwear, minimalismo e sobriedade elegante.
A moda gospel deixa de ser rígida e passa a traduzir propósito: vestir é comunicar fé. O consumo também ganha novo sentido: comprar é testemunhar. Marcas e criadores começam a perceber esse mercado, mas o estudo alerta que ainda há lacunas de representatividade.
Para essa geração, ser gospel não é apenas frequentar uma igreja. É viver um estilo de vida espiritual, onde fé e estética se unem sob o mesmo propósito.
Mulheres: o coração da igreja
As mulheres evangélicas representam 55,4% da comunidade e sustentam grande parte da vida social e espiritual das igrejas. Elas lideram grupos, cuidam de famílias vulneráveis e promovem ações comunitárias mas ainda enfrentam barreiras institucionais.
Segundo o ISER (2024), 60% dessas mulheres são negras e de baixa renda, e apenas 8% ocupam cargos de liderança pastoral. Além disso, 42,7% afirmam já ter sofrido violência doméstica, revelando o cruzamento entre fé, gênero e desigualdade.
“As mulheres são a espinha dorsal das igrejas, mas ainda são pouco reconhecidas. Nosso objetivo é dar visibilidade a esse protagonismo silencioso”, diz Kika Brandão, CEO da Estúdio Eixo.
Essas mulheres estão criando redes de apoio e acolhimento nas comunidades e nas redes sociais. De forma discreta, mas poderosa, elas estão transformando a estrutura da fé e da sociedade.
Feminismo cristão e novas leituras da fé
O estudo também identifica o crescimento de coletivos de feminismo cristão, esses grupos, em sua maioria compostos por jovens mulheres periféricas, usam a internet para compartilhar novas leituras teológicas, discutir machismo religioso e promover diálogo dentro das igrejas.
São redes que unem espiritualidade e ativismo, e mostram que o evangelismo contemporâneo também é um campo de disputa por narrativas, identidades e justiça social.
A fé como cultura
O “Gospel Power” aponta para um futuro em que o evangelismo vai além da religião, é um movimento cultural.
Um espaço onde jovens e mulheres criam novas linguagens, expressões e símbolos de fé.
O Brasil gospel de 2025 é digital, diverso e criativo.
A fé deixou o púlpito e ganhou as ruas, as telas e até as roupas de quem acredita.
Hoje, crer também é criar, e essa é a nova revolução espiritual brasileira.