A conexão com Deus e Jesus é um dos pilares do cristianismo desde o seu início, eles são as figuras principais da religião, que transmitem amor e espalham a palavra do evangelho. Essa busca pela conexão sempre foi muito tradicional, seja por meio de orações, idas a cultos ou na própria relação da pessoa com […]
A conexão com Deus e Jesus é um dos pilares do cristianismo desde o seu início, eles são as figuras principais da religião, que transmitem amor e espalham a palavra do evangelho. Essa busca pela conexão sempre foi muito tradicional, seja por meio de orações, idas a cultos ou na própria relação da pessoa com ambos.
Porém, o que acontece com essa relação em um mundo dominado pela tecnologia, onde o imediatismo é constante, as telas determinam nossas ações e se tornaram uma das principais formas de conexão entre as pessoas? A relação com o divino também se digitaliza.
É isso que acontece ao redor do mundo com diversos chatbots cristãos de Inteligência Artificial, muitos deles assumindo a persona de Deus ou Jesus e oferecendo uma conexão divina instantânea, como se fosse uma mensagem enviada a um amigo, mas que, no fundo, é apenas uma interface que esconde códigos e algoritmos.
Chatbots simulam conversas com figuras religiosas
Os chatbots mais conhecidos personificam principalmente Jesus, permitindo que o usuário converse como se estivesse falando com a entidade, que responde sobre problemas, cita trechos da Bíblia e encarna o personagem religioso.
Um dos principais exemplos é o aplicativo Text With Jesus, que utiliza IA para simular a interação. O desenvolvedor reconhece que o usuário não conversa com uma divindade, mas com um “bot que finge ser Jesus ou qualquer apóstolo”. A empresa afirma ainda que está testando recursos de voz e pretende incluir os três Reis Magos para conversas até o fim do ano.
Porém, este não é o único aplicativo. Bible Chat, AI Jesus, Virtual Jesus, Ask Jesus e Jesus AI são outras opções de chatbots religiosos. A presença de IA não se limita ao cristianismo, existem também aplicações para outras religiões, como Norbu AI (budismo) e Brother Junaid (islamismo)
Porque estes aplicativos continuam crescendo?
O Bible Chat, já mencionado, se autoproclama o “aplicativo religioso número um do mundo” e possui mais de 30 milhões de downloads. Isso levanta a questão de por que esses aplicativos, que imitam Jesus e tentam criar uma conexão espiritual por meio de uma personificação falsa de uma divindade, estão crescendo tanto.
Um dos principais motivos é a queda na prática religiosa tradicional, especialmente nos Estados Unidos, onde, segundo o The New York Times, cerca de 40 milhões de pessoas deixaram as igrejas nas últimas duas décadas
Esses aplicativos funcionam como um acesso fácil à religião, digitalizado segundo os padrões do mundo atual e sempre disponível para atender às demandas do usuário 24 horas por dia, 7 dias por semana
Outro ponto importante é a busca por companhia espiritual e acolhimento constante, já que o mundo atual vive uma era marcada pela solidão. As pessoas passam mais tempo isoladas, e os chatbots oferecem exatamente essa companhia e apoio religioso por meio de uma figura divina que entende seus desafios a qualquer momento
Por fim, há a personalização da experiência religiosa oferecida por esses aplicativos. Diferente de plataformas que apenas enviam trechos religiosos, eles conversam com o usuário, escutam o que ele diz e respondem diretamente ao que ele busca, como se fossem figuras divinas.
Isso muda a relação espiritual da pessoa com a religião, já que não é mais necessário compreender doutrinas complexas nem depender de líderes religiosos, e as respostas são adaptadas ao estado emocional do usuário
O app Text With Jesus, por exemplo, gera mensagens que parecem compassivas, como quando “Jesus” afirma que seu “coração dói” ao falar sobre sofrimento. Isso cria uma sensação de proximidade com o sagrado sem mediação institucional, algo que muitas pessoas não encontram mais nas igrejas
As controvérsias acerca dos aplicativos
Ao misturar tecnologia e conexão espiritual de uma forma tão intrínseca, nascem algumas controvérsias e pontos a se observar através da lente religiosa.
A primeira questão é a intensa mistura entre inteligência artificial e figuras divinas. Ao interagir com uma IA que responde como Jesus, o usuário pode substituir a prática religiosa por uma simulação tecnológica sem perceber, correndo o risco de consultar mais o robô do que a divindade
Os aplicativos oferecem respostas rápidas para dilemas que, historicamente, exigem reflexão, estudo e convivência religiosa, criando uma fé digitalizada e guiada por algoritmos. O problema não é ter uma IA que fale sobre Deus, mas uma que o personifique como fonte imediata de revelação e conforto, reduzindo o papel da busca espiritual humana
Outro ponto a considerar sobre a inteligência artificial é a origem de suas informações, já que todas utilizam bancos de dados para gerar respostas com base nesses conteúdos
Porém, não há transparência sobre a origem das informações dessas IAs religiosas. Isso significa que o conteúdo de um chatbot pode ser influenciado pelo que está mais acessível na internet, pelo que gera mais engajamento ou pela linguagem mais popular, e não necessariamente pela teologia ou estudo bíblico
Por fim, é importante destacar que esses aplicativos são também um negócio, e as empresas capitalizam sobre eles e colocam uma mediação comercial entre o usuário e o conhecimento espiritual.
O app Text With Jesus, por exemplo, oferece uma assinatura anual de US$50 (aproximadamente R$266) para a versão premium, tornando o contato com o sagrado sujeito a interesses comerciais, e não apenas espirituais.