24 de jun 2025

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Política

A outra guerra do Irã

Enquanto o mundo foca na geopolítica, a repressão à imprensa e aos direitos civis dentro do Irã revela uma guerra silenciosa que ainda não terminou.

Mulher segurando a bandeira do Irã em protesto. (Reprodução: Intagram @mahsaahafezi)

Mulher segurando a bandeira do Irã em protesto. (Reprodução: Intagram @mahsaahafezi)

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A outra guerra do Irã - A outra guerra do Irã

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Vivemos tempos de polarização. Direita ou esquerda, Lula ou Bolsonaro, capitalismo ou comunismo — o debate público parece cada vez mais binário. Nesse cenário, muitas pessoas escolhem suas fontes de informação com base em alinhamentos ideológicos, recusando-se a ouvir vozes que tratem determinados temas sob outro ponto de vista.

Essa dinâmica faz lembrar da teoria instrumentalista, também conhecida como teoria da ação política, surgida a partir dos chamados news bias studies, estudos dedicados a investigar a parcialidade na cobertura jornalística. A teoria ganhou duas leituras principais: uma, de viés mais à esquerda, vê o jornalismo como ferramenta de manutenção do status quo capitalista. A outra, com viés à direita, enxerga a imprensa como instrumento de ataque ao sistema.

Mas este texto não é sobre essa teoria. Ela serve apenas de pano de fundo para refletirmos sobre como o jornalismo tem sido interpretado no Brasil e no mundo: como se ele estivesse sempre a serviço de um lado. E nessa disputa, esquecemos sua função primordial — a de ser um instrumento da democracia e da liberdade de imprensa.

Vale lembrar: democracia é um sistema em que o povo exerce o poder, diretamente ou por meio de representantes eleitos. Liberdade de imprensa é o direito de informar e ser informado sem censura ou interferência estatal.

O Irã declarou, nesta terça-feira (24), o fim do conflito com Israel após 12 dias de combates. Mas o que isso tem a ver com tudo que foi falado acima?

A estrutura de poder no Irã

Como explicamos em reportagem anterior, o Irã passou por uma revolução em 1979 que derrubou a monarquia do Xá Reza Pahlavi e instaurou uma república islâmica liderada pelo aiatolá Ruhollah Khomeini. Desde então, o país é governado por uma teocracia: uma forma de Estado em que os princípios religiosos se fundem ao poder político.

Embora o Irã tenha um presidente, é o Líder Supremo, atualmente o aiatolá Ali Khamenei, quem concentra o poder máximo. O cargo é vitalício e determinado por um grupo de clérigos islâmicos, responsáveis por supervisionar e, se necessário, destituir esse líder.

A guerra que não passa na TV

Em setembro de 2022, Mahsa Amini, uma jovem de 21 anos, foi presa em Teerã por estar com o cabelo “indecoroso”. Dias depois, foi encontrada morta. Sua morte foi o estopim de um movimento de protestos liderado por mulheres, mas que logo envolveu toda a sociedade iraniana. Em poucos meses, mais de 22 mil pessoas foram presas e cerca de 500 morreram — entre elas, ao menos 70 crianças e 29 mulheres.

Na época, o governo respondeu com mais repressão. Implantou multas para quem desrespeitasse o uso do véu, impediu que ativistas deixassem o país e reforçou mecanismos de censura. A acusação de moharebeh ou “inimizade contra Deus” foi usada como justificativa para execuções públicas, como a do campeão de caratê Mohammad Mehdi Karami, enforcado em 2023 após julgamento sumário.

Também surgiram denúncias de ataques coordenados contra escolas femininas. Em fevereiro de 2023, mais de 650 alunas foram envenenadas em Qom, cidade religiosa ao sul de Teerã. Nenhuma morte foi registrada, mas o recado era claro: o Estado continua a controlar o corpo e a voz das mulheres.

Liberdade de imprensa, para quem?

O artigo 24 da Constituição iraniana garante a liberdade de imprensa, mas a lei de imprensa de 1986, atualizada em 2000 e 2009 para incluir publicações digitais, permite às autoridades censurar jornalistas sob acusações genéricas como “prejudicar a República Islâmica”, “ofender o clero ou o Líder Supremo” e “disseminar informações falsas”.

O Irã ocupa as últimas posições no Índice Mundial de Liberdade de Imprensa. Em 2024, foi classificado em 176º lugar entre 180 países, segundo os Repórteres Sem Fronteiras. A repressão à imprensa independente é sistemática: durante os protestos de 2022, quase 100 jornalistas e fotógrafos foram presos por cobrir as manifestações, 80 deles foram libertados apenas sob pagamento de fiança.

Em janeiro de 2023, o jornalista iraniano Mehdi Beikoghli foi preso após entrevistar famílias de pessoas condenadas à morte por suposta ligação com os protestos. Em dezembro do ano passado, a jornalista italiana Cecilia Sala foi detida em Teerã por "violar as leis da República Islâmica".

Com a escalada do conflito contra Israel em 2025, os ataques à imprensa se intensificaram. Uma jornalista iraniana da rede Iran International, exilada em Londres, foi forçada a abandonar o cargo de apresentadora após receber ameaças diretas do regime. Três de seus familiares — pai, mãe e irmão mais novo — foram sequestrados em Teerã pela Guarda Revolucionária e levados para um local desconhecido. Horas depois, sob evidente coerção, o pai ligou para a jornalista pedindo que ela deixasse o trabalho. Segundo a emissora, a medida foi uma tentativa explícita de silenciar sua cobertura crítica.

A guerra dentro do Irã continua

O Irã declarou o fim do conflito com Israel, mas isso não significa que devamos esquecer tudo o que acontece dentro de um país que, embora pareça ter surgido agora como protagonista do noticiário internacional, já ocupa há décadas uma posição central na geopolítica do Oriente Médio. Mesmo com o cessar-fogo, há outras batalhas sendo travadas em silêncio por mulheres, crianças, estudantes e jornalistas que, mesmo antes da guerra, já viviam sob repressão e continuam à mercê de um governo autoritário.

São essas pessoas que merecem nossa empatia — por uma liberdade arrancada, uma infância interrompida, uma voz calada. É a elas que precisamos dar espaço: invisíveis em um mundo governado por homens ambiciosos, onde tudo parece justificável na disputa pelo poder.

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