07 de jul 2025

NEURODIVERGENTE: O grito de Mateo transformado em melodia
Um álbum criado dentro de clínicas de reabilitação traz à tona mensagens sobre saúde mental, que o mundo precisa ouvir

Mateo retrata, entre as faixas, sua batalha contra as drogas - Foto: Divulgação/Julia Mataruna
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Nesta segunda-feira (7), o cantor e compositor Mateo, conhecido por seus trabalhos em Francisco El Hombre e BABY, lançou seu primeiro projeto solo, intitulado "NEURODIVERGENTE". O Portal Tela ouviu o álbum em primeira mão ao lado do musicista.
O disco traz a perspectiva do músico acerca de sua saúde mental, durante períodos de recaídas e reabilitação com as drogas, tratando desde tópicos pessoais, como sua relação com a cetamina, até pautas políticas e sociais envolvendo a cracolândia paulistana.
Mateo mostra entre as 8 faixas do álbum, um sentimento nu e cru sobre sua vivência com problemas de saúde mental e uso de drogas. Com um projeto desse teor, o artista acaba por compartilhar suas vulnerabilidades, mas de forma necessária, em um contexto onde a saúde mental se vê cada vez mais em pauta, mas, ao mesmo tempo, de forma dessensibilizada.
O álbum partiu de diversos momentos e lugares, com gravações feitas na casa do músico. Muitas faixas nasceram enquanto Mateo passava por clínicas de reabilitação, durante o tratamento contra o vício em drogas. Algumas vieram à tona logo após episódios de overdose — como a que traz um pedido de desculpas ao irmão, escrito pouco depois de um desses incidentes.
A sinceridade permeia as palavras e melodias feitas por Mateo, que canta tanto em portugues quanto em espanhol, e traz da forma mais direta possível, diversas ocasiões de sua reabilitação, de maneira artística, melódica e, acima de tudo, necessária.
As faixas
O disco começa com ATO FINAL, um título no mínimo curioso considerando que ela funciona como abertura do álbum. A música é um grito por ajuda, onde Mateo coloca pra fora tudo o que ele escondia em relação ao que sentia internamente, e abre o projeto com um arrepio no ouvinte que, além de escutar um instrumental tocante, também é apresentada a sensação que o álbum trará ao decorrer das próximas faixas.
É O QUE É coloca o ouvinte no lugar de Mateo durante sua passagem pela clínica de reabilitação. A faixa também menciona um amigo que o artista conheceu nesse período — alguém que se tornou um apoio essencial em sua recuperação, mas que, depois, não se via mais ao lado do cantor.
Feita como um pedido de desculpas para seu irmão Sebastian, UNA VEZ MÁS foi escrita após uma overdose que o cantor teve em Madri, e trouxe à tona a preocupação que seu irmão sempre teve durante esse período delicado, onde nunca desistiu de Mateo. Ele também relatou o desejo que seu irmão participasse da música com sua própria voz, porém, teve medo de machucá-lo durante essa produção.
APENAS MAIS UM TRISTE expõe a banalização da depressão e dos transtornos mentais nos dias de hoje. A faixa também aborda a sensação de anonimato que muitas pessoas enfrentam ao lidar com a saúde mental — como se fossem apenas mais uma entre tantas outras, o que por sua vez, pode gerar certo consolo, por mostrar que ninguém está sozinho, mas também reforça a ideia de invisibilidade. Mateo também relatou seu desejo de trazer essa sensação para o público ao fazer shows ao vivo, para que cada um possa colocar o que sente para fora, para se sentirem mais um triste no meio da multidão que canta junto.
Uma música que veio através de outro amigo de clínica, LA INSANIDAD retrata a cracolândia e o seu estado atual, tratando os aspectos sociais que a envolvem enquanto reúne diversas experiências em uma crítica direta à desumanização das pessoas que vivem ali. Ela também mostra como a região é usada para estigmatizar bairros inteiros, ao mesmo tempo em que oferece uma perspectiva de dentro, lembrando que quem está ali também é humano.
JÁ NÃO SEI PORQUÊ é um interlúdio irônico e serve de abertura para uma das faixas mais pesadas do álbum. ME SALVA (SOLO POR UN MINUTO) trata da relação de Mateo com a cetamina, uma droga anestésica, onde o músico grita por uma salvação. Na parte melódica ocorre uma mistura de gêneros, que vão do Festejo peruano aos baixos sintetizados comuns na música brasileira, passando por baixos sincopados populares na África e finalizando a mescla com um instrumental de sopro que remete aos anúncios de reis europeus — referência que, na faixa, é usada para representar a cetamina como protagonista.
O álbum encerra com QUERIDA, primeira faixa composta por Mateo. Ela retrata o início de sua reabilitação, e fecha o disco com um tom inicialmente esperançoso — até ser interrompido por um tiro, que representa um dos desfechos mais trágicos da depressão: o suicídio. O cantor deixou esse final justamente porque não queria algo romantizado, mas sim verdadeiro, sincero, melancólico, mas acima de tudo, direto em suas mensagens.
A PRODUÇÃO
Mateo expôs sua visão sobre a emenda de músicas feita principalmente na primeira metade do álbum, que de acordo com ele, trás uma ideia de narrativa para o ouvinte ao passar suavemente de uma faixa para a outra. Em contraparte, o corte seco é usado para finalizar uma parte dessa história e dar entrada para uma nova parte do disco.
A composição das músicas, como dito anteriormente, foi feita majoritariamente em clínicas de reabilitação, durante períodos de recaídas e recuperação do cantor. Durante sua primeira internação, ele era permitido de levar seu violão e gravador, o que fez com que o cantor produzisse músicas sem parar. Isso se tornou um processo terapêutico para ele, pois escrever essas canções o fazia bem. Mesmo durante as letras melancólicas, faixas felizes também saíam dentre as sessões de composição.
Mas em sua segunda internação, os protocolos foram mais rígidos, e por conta disso Mateo teve menos acesso a seus instrumentos de composição. Mesmo assim, isso não o impediu de compor mentalmente futuras letras para o projeto, mais tarde gravado inteiramente no estúdio de sua casa — o mesmo onde foram produzidos diversos trabalhos da banda Francisco El Hombre.
Inicialmente, o projeto não foi pensado como um grande lançamento, Mateo tinha planejado apenas gravar as músicas para guardá-las, já que não sabia nem se estaria vivo ao final das gravações. Mas com o apoio de amigos e, futuramente, da Dorsal Lab, o compositor começou a tratar o que seriam apenas demos, como um verdadeiro projeto a ser trabalhado, anunciado e publicado.
Uma dificuldade relatada pelo cantor durante todo esse processo foi o de se abrir e se expor ao público sobre seus problemas, o que gerou algumas reações negativas, mas ao mesmo tempo, também era necessário para que ele pudesse ser sincero consigo mesmo e com seu público.
Por fim, Mateo também relata a sua vontade de continuar a carreira solo, onde relatou ter mais de 70 músicas projetadas, que contariam outras narrativas e trariam outras mensagens. O cantor vê o álbum como apenas um capítulo de sua vida — algo que precisava concluir para deixar para trás um período difícil. Ele ressalta que não quer ser rotulado por esse trabalho, pois planeja lançar outros projetos, com mensagens diferentes, mas sempre guiados pela sinceridade que marca sua trajetória desde as primeiras produções.
NEURODIVERGENTE é um álbum direto e realista, que expõe verdades urgentes a partir da perspectiva de quem viveu cada experiência. Mais do que um relato, é a voz de alguém que sobreviveu, se posiciona e, acima de tudo, transforma tudo isso em arte.
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