Nesta quinta-feira, 17, lembramos quase dois mil anos da Última Ceia de Jesus, que foi traído por Judas Iscariotes, resultando em sua prisão e crucificação. Essa história é narrada nos quatro evangelhos da Bíblia. O grupo Folha, que inclui a Folha de S.Paulo e o UOL, publicou um artigo do sociólogo Valdinei Ferreira, questionando se Judas realmente traiu Jesus ou se foi o contrário. Ferreira se baseia em uma interpretação de um evangelho apócrifo, onde Judas age sob um pedido de Jesus. Ele sugere que Judas, um zelote que lutava contra os romanos, acreditava que sua traição levaria a uma revelação de Cristo. O texto também distorce passagens dos evangelhos canônicos, como a ideia de que a entrada de Satanás no coração de Judas não deve ser entendida literalmente. Essa abordagem levanta preocupações sobre a manipulação da verdade e a distorção da história em nome de uma narrativa provocativa.
Boa parte do jornalismo se baseia no que chamamos de efemérides, na comemoração ou lembrança de datas importantes. Esta quinta-feira, 17, marca quase dois mil anos da Última Ceia de Jesus, quando foi traído e entregue por um de seus apóstolos, Judas Iscariotes, aos romanos.
Foi o maior ato de traição da história, levou à prisão e crucificação de Jesus.
A história é contada nos quatro evangelhos canônicos da Bíblia, em Mateus, Marcos, Lucas e João, e esta é a efeméride do dia.
O que faz o grupo Folha (Folha de S.Paulo, UOL e seus colaboradores) com isso?
Oferece espaço premium para a distorção da traição mais icônica da humanidade como se verdade fosse ou pudesse ser.
Com o título de “Judas traiu Jesus ou Jesus traiu Judas?”, o sociólogo e pastor Valdinei Ferreira faz uma ginástica narrativa que incorpora a interpretação de um terceiro sobre a leitura de evangelho apócrifo – o sacerdote da Igreja Ortodoxa Jean-Yves Leloup sobre o “Evangelho de Judas”, texto datado supostamente do século 4.
Neste, Judas justifica a ação de traição como se fosse um pedido de Jesus, para que o entregasse. Não satisfeitos com uma narrativa escrita mais de 300 anos depois do fato, o(s) autor(es) da declaração vai(ão) além e sugere(m) uma delirante inversão de papéis.
No caso, Judas teria cumprido o “pedido de Jesus” por ser zelote, força armada que combatia os romanos, e acreditava que resultaria na revelação de Cristo e contra-ataque aos algozes.
Daí vem o alucinado título do artigo, como se a traição pudesse ter partido de Jesus e não o contrário.
Nem os evangelhos canônicos foram perdoados na sanha de interpretação distorcida, pois sobre Lucas 22.3, quando “Satanás entrou no coração de Judas”, pelo viés dos articulistas o significado não é literal, mas de entendimento de que o demônio é o que “se opõe a Deus” e, no caso em questão, teria sido consciente e atendimento de pedido.
Isso tudo lembra outra prática do jornalismo, quando baseado em estatística, de que “se bem torturados, os números podem entregar qualquer verdade que se queira”.
Mas não consta e nunca constará em qualquer manual de boas práticas do jornalismo que a verdade pode ser torturada para se fazer valer um ponto. Com o agravante de se utilizar uma ferramenta como a efeméride para chamar a atenção para o conteúdo pelo viés distorcido. Sem falar do requinte de crueldade de sacrificar a História, com H maiúsculo.
Por Luiz Cesar Pimentel
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