24 de abr 2025
Um país cliente das apostas: Como as bets estão moldando a vida dos brasileiros
Desde endividamentos até questões psicológicas, os jogos de azar apresentam sérios riscos à população com seu rápido crescimento
Foto: Reprodução (Telesintese)
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Desde 2018, quando as casas de apostas foram liberadas no Brasil, o seu uso disparou, com um aumento de aproximadamente 734% entre 2021 e 2024. As popularmente chamadas “bets” — que significam aposta quando traduzido da língua inglesa —, são geralmente focadas no mundo esportivo, enquanto outras plataformas como as de cassino online, também regularizadas, oferecem uma grande variedade de jogos para o usuário colocar seu dinheiro em risco, que se tornam viciantes rapidamente.
Atualmente, as propagandas pra esse tipo de indústria cresceram de uma maneira alarmante, sendo disseminadas principalmente através do esporte, carro-chefe dessas plataformas, que anunciam durante o jogo em telões, no intervalo e agora com uma alta em anúncios através de naming rights, como por exemplo o Bahia, que vendeu o nome de seu estádio que foi renomeado para “Casa de Apostas Arena Fonte Nova”. Vários influencers também fazem parcerias com as bets, geralmente incluindo uma comissão obtida através da perda dos apostadores. Isso também gera um ambiente muito favorável para que seus seguidores, inclusive menores de idade, estejam suscetíveis a entrarem nesse mundo que gera graves problemas financeiros.
A grande febre em apostar
A muito tempo o Brasil já sofria com cassinos ilegais e jogos de azar não regulamentados, como por exemplo o famoso “jogo do bicho”, porém em 2018 as casas de aposta foram legalizadas, em 2023 a lei nº 14.790/2023 foi sancionada em dezembro, que obrigava as plataformas a serem autorizadas pelo governo para atuarem, além de exigirem o pagamento de tributação junto de medidas para impedir a lavagem de dinheiro. Em 2024 também foi criada a Secretaria de Prêmios e Apostas que tinha como principal foco garantir a segurança e regulação adequada desse setor. Porém, apenas em 2025 todas essas regras entraram em vigor criando um mercado totalmente regularizado.
Por mais que a lei foque em trazer proteção para o apostador, ela se torna um disseminador dessa prática, pois apenas busca formalizar um setor que já movimentava bilhões informalmente, atraindo operadores internacionais e gerando arrecadação, o que acaba por favorecer a expansão dessa indústria. Mesmo as medidas de segurança também não impedem os maiores inimigos na hora de usar as plataformas, que são o vício e a instabilidade financeira.
O esporte, especialmente o futebol, é um dos principais vilões quando o assunto são os jogos de azar. Segundo uma pesquisa da Hibou realizada em 2024, mais de 25% da população brasileira participou ativamente dessas práticas. O cenário esportivo não é apenas um dos maiores mercados para as casas de aposta — ele também exerce forte influência sobre o espectador. Todos os clubes da Série A de 2025 são patrocinados por plataformas de bet, jogadores de grande visibilidade promovem essas marcas e boa parte das propagandas veiculadas em estádios e intervalos estão diretamente ligadas a esse tipo de atividade. O levantamento anteriormente mencionado também revela que 71% dos usuários se sentem mais influenciados a fazer uma bet quando o clube que torcem anunciam uma empresa de apostas.
Os cassinos online — como o famoso “tigrinho” — também apareceram na pesquisa, com 8% da população afirmando ter jogado ao menos uma vez. Essas plataformas criam uma ilusão para o usuário ao apresentarem jogos com visual infantilizado, o que dá um ar mais leve à atividade. Uma dessas empresas oferece um retorno ao jogador de aproximadamente 96%, ou seja, de todo o valor apostado, apenas essa porcentagem tende a voltar para seu bolso.
Os perigos escondidos por trás das plataformas
Com essa rápida crescente da indústria, a vida do brasileiro começou a ser influenciada pelo mundo das apostas, seja na forma como consome conteúdo, financeiramente ou no psicológico, que aparece como um dos maiores agravantes relacionados a essa prática, e também como base para que o usuário continue gerando lucro não para si mesmo, mas a favor do próprio aplicativo, através das suas perdas.
Um dos perigos enfrentados nessa prática é o monetário, pois as apostas influenciam diretamente no saldo de dinheiro utilizado para esse fim. Porém, principalmente quando se perde, o apostador tende a tentar reverter esse cenário, gerando uma compulsividade pela vitória que pode colocar sua instabilidade financeira em risco. Um estudo realizado pelo Instituto Locomotiva afirma que no Brasil, um quarto dos trabalhadores de baixa renda apostam mensalmente, e que dessa fração, 86% está endividada.
Outro fator importante quando mencionamos os perigos dessa prática é o fácil acesso a essas plataformas, pois diferente de um cassino em Las Vegas por exemplo, onde o jogador teria que se deslocar para sustentar o seu vício, as bets são, em sua maioria, agenciadas através da internet, ou seja, para aliviar a necessidade de aposta, basta o usuário pegar seu celular, usar seu cartão cadastrado e, em questão de minutos, pode criar uma dívida sem nem sair do lugar onde está. Um estudo da Consultoria Legislativa do Senado apontou que a facilidade de fazer apostas online aumentou a chance de indução ao vício nesses jogos.
Essa fácil acessibilidade também traz outro risco, com menores de idade fazendo uso dessa prática. Uma pesquisa realizada pelo Instituto DataFolha relatou que a faixa etária dos apostadores online no Brasil são jovens entre 16 a 24 anos, e um levantamento feito pelo IBGE em 2023, 94,9% desta parte da população utilizaram a internet. Expor mentes jovens a jogos de azar pode trazer graves consequências, como uma vida financeira precocemente prejudicada, além de criar um ambiente propício para o desenvolvimento de vício e outras doenças mentais.
Mesmo quem não é um apostador pode sofrer com a alta dessas plataformas, como em lares que tenham um jogador envolvido, do qual pode gastar recursos que seriam usados em prol do bem coletivo dentro de casa, para poder sustentar o vício em jogos, um exemplo são os dados de 2024, onde mais de 3 bilhões de reais ofertados pelo bolsa família para pessoas em situação de pobreza foram direcionados a apostas virtuais, o que compromete não apenas o grupo afetado, mas toda população brasileira, visto que o dinheiro desse benefício vem dos cofres públicos.
A complexidade do vício e da saúde mental
Existem dois tipos de vícios, os químicos e os sociais. Os químicos são aqueles provocados por substâncias como drogas, cigarro, entre outras. Já os sociais são comportamentos ou hábitos que, apesar de amplamente praticados ou aceitos em determinados contextos, podem trazer consequências negativas tanto para os indivíduos quanto para a sociedade. Eles estão relacionados a padrões de comportamento, interações sociais ou práticas culturais que, quando exagerados ou mal administrados, podem causar prejuízos emocionais, psicológicos, financeiros ou até mesmo éticos.
Um estudo do Pro-Amiti, grupo de profissionais que se dedicam a estudar e tratar pacientes com síndromes impulsivas pouco conhecidas, aponta que a necessidade recorrente de apostas pode levar à tolerância ou abstinência, semelhante ao que acontece com o uso de álcool e drogas ilícitas. Sendo assim, uma questão patológica, chamada de ludopatia, condição caracterizada pelo impulso incontrolável de apostar, independentemente das consequências negativas. A liberação de dopamina, hormônio ligado ao sistema de recompensa cerebral, reforça a compulsão e aumenta a excitação. Essa substância é conhecida como o “neurotransmissor da recompensa”, pois está envolvida na sensação de prazer e motivação. O hábito, então, faz com que o hormônio seja liberado cada vez com mais frequência, tornando o cérebro adaptado a esses picos de dopamina e se tornando mais resistente aos efeitos.
Em alguns casos, o vício em apostas pode ser um mecanismo de fuga. Muitas pessoas recorrem a jogos de azar para evitar lidar com questões emocionais difíceis, como ansiedade, depressão ou baixa autoestima. O problema é que, ao invés de resolver essas questões, o vício as agrava, levando ao isolamento social e até sintomas físicos relacionados ao estresse. A promessa de uma vitória fácil, mesmo quando as probabilidades são esmagadoramente contra o jogador, cria um ciclo quase irresistível para quem é vulnerável. Por isso, entender o vício em apostas como um problema sério de saúde mental e emocional é essencial para criar estratégias eficazes de prevenção e tratamento.
Urgência para conter as bets
As bets acabam se inserindo cada vez mais na realidade do brasileiro, e com isso inúmeros problemas que afetam o país como um todo, revelando o verdadeiro potencial prejudicial dessas plataformas — que vai desde a instabilidade financeira até questões psicológicas. Algumas das saídas para minimizar esses danos podem passar tanto por uma regularização das propagandas, que servem como base para essa disseminação desenfreada, quanto por uma maior atenção do governo, não só em relação à regulação, mas também ao bem-estar das pessoas envolvidas com essas práticas, já que os jogos de azar não estão moldando apenas a vida dos indivíduos dentro desse universo, mas também a do Brasil como um todo.
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